terça-feira, 3 de setembro de 2013

TEXTOS


"Dos diversos instrumentos do homem, o mais assombroso é, sem dúvida, o livro.
Os outros são extensão do corpo.
O microscópio, o telescópio, são extensões da vista; o telefone é extensão da voz;
temos o arado e a espada, extensões do braço.
Mas o livro é outra coisa: o livro é uma extensão da memória e da imaginação.”
                                                                                                                [Jorge Luís Borges]


A escolha de Hércules   
 [Gabriel Chalita]

            Hércules era filho de Zeus e de Alcmena. Logo depois de seu nascimento, Hera, esposa de Zeus, cheia de ódio por sua rival, Alcmena, enviou duas serpentes para matar o bebê. Elas se enrolaram no pescoço de Hércules, e ele, com as próprias mãos, as esmagou. A mãe, percebendo que o filho tinha talentos naturais, cuidou de dar a ele uma educação esmerada. Desde cedo, ele aprendeu as artes da guerra da música, da escrita e da educação física, além, é claro da Filosofia. Sua formação cuidadosa fez com que, diferentemente da maioria dos  jovens de seu tempo, ele não se dedicasse ao prazeres, mas ao trabalho intenso.
            Certo dia, Hércules deparou- se com uma estrada que se dividia em dois caminhos. Ele tinha de escolher. As opções eram muito distintas. O caminho da direita era acidentado, montanhoso, cheio de pedras; enfim, não tinha nada de atrativo, mas no final conduzia às montanhas azuis. O da esquerda tinha uma paisagem deslumbrante, árvores frondosas, pássaros cantando, nada de pedras nem qualquer outra coisa  que pudesse dificultar a jornada. Mas o problema estava no final dele: havia uma névoa, uma neblina densa que impedia Hércules de visualizar o que viria depois. Surgiram duas mulheres, uma de cada caminho, à frente de Hércules. A da esquerda era belíssima e começou a falar das delícias de seu caminho. A bela mulher foi tecendo seu discurso cheio de promessas. Caso Hércules a seguisse, teria uma vida sem tristezas, sem obstáculos, com muita comida, muita música, muitas festas. “A vida é festa”, dizia a bela mulher. A segunda, tão bela quanto a primeira, veio do caminho da direita e deixou claro as dificuldades de seu caminho. Não prometeu nenhuma fortuna, nenhuma regalia. Explicou a Hércules que, para ter qualquer benefício, teria de se esforçar muito. Falou de sofrimentos e da dificuldade da subida, que era íngreme. Deixou claro, a bela moça, que, ao final de todo esse esforço, ele poderia alcançar as montanhas azuis, lugar privilegiado reservado àquelas pessoas que decidissem enfrentar o desafio. Uma fama verdadeira, real.
            Hércules quis saber o nome dessa segunda mulher. Ela prontamente respondeu: “meu nome é Trabalho, mas sou conhecida também como Virtude”. Hércules perguntou também o nome da primeira mulher, aquela que veio do caminho mais fácil e ela respondeu: “Meus amigos me chamam de ‘Boa vida’; meus inimigos, para me depreciar, me chamam de Preguiça”.

            Hércules escolheu o caminho do trabalho, da Virtude, porque compreendeu que a riqueza vem do esforço, das dificuldades, do sofrimento, que, ao final, traz sucesso real e duradouro.

Píramo e Tisbe 
 [Mitologia]

Há muitos e muitos anos, vivia na Babilônia um rapaz chamado PÍRAMO, o mais belo dos jovens de seu tempo. Bem ao lado da casa dele, separada apenas por um muro, vivia TISBE , a mais linda jovem do Oriente. Sendo vizinhos, acabaram se encontrando e ficando amigos. Mais que isso, em pouco tempo aquela amizade virou amor e começaram a falar em casamento. Acontece, porém, que as famílias não queriam aquela união e proibiram  o namoro. Os dois não podiam nem se falar. Como não tinham um aliado ou confidente que pudesse levar seus recados e ajuda-los, foram desenvolvendo uma linguagem de acenos e sinais. Quanto mais se ocultavam, mais o amor escondido ardia e aumentava.
No muro que separava os dois quintais havia uma rachadura, que tinha virado uma fresta. Tão apertada que passara despercebida de todos. Mas nada escapa aos olhos dos apaixonados! PÍRAMO e TISBE descobriram essa fresta e logo notaram  que podia ser um canal para suas vozes. PÍRAMO  parava de um lado, TISBE, de outro, e começaram a ouvir a respiração do seu amado ali pertinho. Daí a pouco estavam sussurrando:
- Muro, muro, deixe de ser ciumento... não fique no caminho dos que amam! Por que não deixa que a gente se abrace?
- Por favor, muro, se abra mais, para podermos nos beijar... Passavam o dia todo murmurando  ao lado do paredão. De  noite, se despediam e beijavam as pedras do muro.
Certa manhã, quando a Aurora apagara o fogo das estrelas, e os raios do sol já tinham secado o orvalho da noite , os dois chegaram ao ponto de encontro e, como sempre, começaram a suspirar. Mas estavam muito tristes. Seus lamentos foram ficando cada vez mais sofridos. Não estavam agüentando mais. Por isso, acabaram resolvendo que, naquela noite, cada um tentaria esgueirar-se, passar pelos guardas e escapulir de casa. Depois que fugissem, iriam encontrar-se fora da cidade. Para não se perderem, marcaram em encontro junto a um túmulo que havia no campo, ao lado de uma imensa amoreira – porque a sombra da árvore podia ajudar a escondê-los, no caso de eventuais olhares indiscretos. E, como bem pertinho havia uma fonte de água fresca, seria um lugar perfeito para uma espera.
Quando a noite chegou, TISBE conseguiu abrir a porta  sair com facilidade, sem que ninguém a visse. Envolta num véu, chegou ao local combinado e sentou-se debaixo da amoreira, cujos frutos nesse tempo eram branquinhos como a neve e brilhavam sob a lua. Mas daí a pouco, apareceu uma leoa que acabava de caçar e, ainda com a boca gotejando sangue, vinha beber água da fonte. À luz do luar, TISBE viu o animal se aproximando e correu para abrigar numa caverna próxima. Na corrida, deixou cair o véu. A leoa encontrou o tecido e avançou sobre ele, rasgando o pano e o deixando todo sujo de sangue. Depois, bebeu água e foi embora.
PÍRAMO só conseguiu chegar um pouco mais tarde. Viu as pegadas da fera e ficou pálido. Pior ainda, viu o véu de TISBE, estraçalhado e ensanguentado. Desesperou-se. Achou  que TISBE tinha sido devorada por um leão e a culpa era dele, que a convencera a ir sozinha de noite a um lugar perigoso e não conseguira chegar a tempo para estar lá à sua espera. Chorando, abraçado ao véu de TISBE, sacou a espada e a enterrou no próprio peito. O sangue jorrou longe e abundante, e esguichou sobre a raiz da amoreira e sobre as amoras, que foram tingidas por aquela cor de púrpura.
Ansiosa para não desapontar seu amado, TISBE voltou, olhando em volta à procura dele, e louca para lhe contar sua aventura e o perigo de que tinha escapado. Quando viu PÍRAMO no chão, morto e coberto de sangue, ficou fora de si. Batia no peito, arrancava  os cabelos, lavava o sangue dele com lágrimas, beijava o rosto frio. Ao distinguir que as mãos do rapaz segurava seu véu rasgado e a espada estava fora da bainha, percebeu o que ocorrera. Segurou então a espada com firmeza e se lançou  sobre ela para morrer também, no aço ainda quente do corpo amado. Com tristeza, os deuses guardaram para sempre a lembrança dos dois nos frutos da amoreira – cor de sangue antes de amadurecer, e pretos de luto no apogeu da doçura, quando ficam no ponto para serem colhidos. E, ao amanhecer, as duas famílias, finalmente, constatando a que ponto sua intransigência tinha levado os dois namorados, consentiram que PÍRAMO e TISBE ficassem unidos para sempre e guardaram as cinzas dos dois na mesma urna.


Sugestões para trabalhar com textos
1. Texto em tiras
a) Selecione um texto curto e escreva-o em tiras de papel pardo - aquele bem barato que se compra em metros. Cada frase ou parte do texto deverá estar escrito em uma tira.
b) Divida a turma em grupos.
c) Distribua uma ou mais tiras para cada elemento do grupo -de forma desordenada- e peça para que o grupo o reconstrua no chão, de preferência no corredor ou pátio da escola. Essa atividade é sócio-interativa e promove a participação de todos na reorganização do texto. Também é uma forma de tirá-los das cadeiras e mudar o ambiente de aprendizagem.
2.Anedotas
Selecione algumas piadas de salão e, em duas colunas, divida as piadas ao meio: o início da piada na primeira coluna e na outra - de forma desencontrada- o final das piadas. Os alunos deverão ler e combinar os textos humorísticos.
Sugestão: Convide os alunos a formarem duplas e encenarem as piadas para a turma.
3.Tiras em Quadrinhos
a)Recorte algumas tiras de histórias em quadrinhos.
b) Cole-as em uma folha com as partes desencontradas.
c) Os alunos deverão lê-las e reorganizá-las de forma apropriada.
4.Criando o texto
a) Recorte novas tiras de histórias em quadrinhos e cole em uma folha, porém na ordem certa.
b) Com o corretivo, apague as falas.
c) Peça que os alunos completem da melhor maneira possível de forma que a história tenha coerência. Esse trabalho poderá ser feito em duplas.
5.Ache a foto da notícia
a) Recorte várias notícias com fotos do jornal. Elimine as legendas.
b) Separe as fotos das notícias.
c) Desafie o grupo a encontrar o par (notícia + foto).
6.A Notícia Completa
a) Recorte várias notícias de jornal que tenham as quatro partes fundamentais: título/manchete, lead, corpo, e foto com legenda.
b)Desmembre as notícias, recortando as partes de cada uma.
c) Embaralhe tudinho e peça ao grupo para reorganizá-las novamente.
7.Texto Quebra-cabeças
a) Recorte alguns textos (tantos quantos forem os grupos com os quais você irá trabalhar). Os textos poderão ser coloridos para motivá-los.
b) Faça marcações de forma desorganizada nos textos (tal qual nos quebra-cabeças) e recorte-os.
c) Ofereça-os aos grupos para que os montem novamente. Você poderá ter em mãos algumas perguntas de interpretação para que o grupo responda, dando conta do entendimento da leitura que fizeram. Também poderá ser feita em forma de gincana: o grupo que primeiro responder corretamente a todas as perguntas será o vencedor.

8.Lendo figuras
a) Selecione figuras - pode ser de jornal também- que apresentem uma situação passível de se criar um enredo. Explique que uma boa história deve, necessariamente, ter um conflito, senão não é uma história.
b) Peça para que cada um faça a sua leitura do texto extra-verbal silenciosamente.
c) Solicite que, nesse segundo momento, contem para o colega do lado que leitura fizeram e como resolveram o conflito que imaginaram para aquela figura . É importante que cada um fale; não ligue se gerar tumulto na aula, já que isso "faz parte", como diria o Ban-ban.

9.Loteria de frases
Consiste em se elaborar um volante de loteria esportiva, só que em vez do nome dos times de futebol se escrevem frases certas e erradas. Se apenas a primeira frase estiver correta, o aluno marca um "X" na coluna um; se apenas a segunda estiver correta, ele marcará um "X" na coluna dois; se ambas estiverem corretas ou erradas, será assinalada a coluna do meio.
Como no jogo de loteria, cada aluno poderá marcar um jogo duplo (coluna dois e coluna do meio, por exemplo). O bom desta atividade é que as frases podem ser adaptadas para qualquer nível, variando-se o grau de dificuldade.

10.Bingo com classes gramaticais
Para fechamento da unidade de trabalho com as classes gramaticais, propomos a atividade a seguir:
1. Prepare cartelas, no estilo convencional das de bingo, divididas em quadrinhos (sugerimos 4x4 ou 16 casas). Escreva o nome das classes gramaticais em onze espaços, deixando cinco espaços vazios. Os espaços vazios são muito importantes, pois permitem uma visualização mais clara e reduzem o tempo da atividade. As cartelas devem ser diferentes entre si, podendo haver, é claro, algumas classes repetidas.
2. Faça fichas com palavras correspondentes às classes gramaticais estudadas que aparecem nas cartelas. (Elas correspondem às pedrinhas numeradas do bingo convencional.). Coloque-as em um saco ou caixa de onde serão retiradas para o sorteio.
3. "Cante" a palavra sorteada. Se o aluno achar que tem na sua cartela a classe gramatical da palavra que foi dita, irá escrevê-la na casa correspondente.
4. Aquele aluno que preencher primeiro todos os itens da sua cartela será o vencedor.
Variações:
* Pode haver prêmios também para quem completar primeiro uma linha ou coluna.
* Se você quiser reutilizar as cartelas, distribua aos alunos pequenos pedaços de papel em branco, do tamanho das casas nas cartelas. Em vez de escrever a palavra na própria grade, os alunos as escreverão no papelzinho, e colocarão este sobre o lugar apropriado na cartela.

11.Charges
Ler charges de jornal é uma forma divertida de se manter atualizado.
a)Recorte as charges que encontrar pelos jornais.
b) Distribua-as para os grupos e peça para fazerem a leitura do momento, discutindo o acontecimento que está sendo abordado, além de tentar identificar as pessoas que estão sendo focalizadas.
c) Troque com os outros grupos de forma que todos possam fazer as várias leituras.
d) Compare as diferenças que forem surgindo.

A Menina que Não Era Maluquinha
Ruth Rocha

Maluquinha, eu?

Eu não! Não sou nenhuma maluquinha! 

Quem me pôs esse apelido foi aquele menino de casacão e panela na cabeça. 

Ele me botou esse apelido quando eu fui brincar na casa do Mauricinho. 

Eu nem queria ir. 

Mas a mãe dele telefonou pra minha mãe, ela disse que o Mauricinho era muito tímido e que ela queria que ele brincasse com umas crianças mais... Não sei o que ela disse, acho que ela queria que ele brincasse com umas crianças mais descoladas... 

E aí minha mãe me encheu um pouco e eu acabei indo. 

A gente chegou na casa do Mauricinho e foi logo almoçar. 

E depois do almoço a mãe dele botou a gente pra fazer a lição. 

Eu não me incomodo de fazer lição logo depois do almoço, porque eu fico logo livre. 

Mas a mãe do Mauricinho começou a fazer uns discursos sobre responsabilidade e coisa e tal, que a gente já era grandinha e tinha que cumprir com os compromissos... Um saco!

Eu tô careca de saber disso! 

E então eu fiz minha lição correndo e o Mauricinho ficou lá toda a vida, ele não acabava mais de fazer a lição dele. 

Aí eu comecei a rodar pela casa até que encontrei um gato. 

Gato não, gata. Chamava Pom-pom. Ou era Fru-fru... Ou era Bom-Bom, sei lá. 

E eu peguei a gata e ela estava meio fedida. 

Então eu resolvi dar um banho nela. Gato não gosta de banho, vocês sabem. 

Mas meu avô tinha me contado que quando ele queria dar banho no gato ele botava o bicho dentro da banheira e ele não conseguia sair e meu avô dava banho à vontade! 

Mauricinho tinha um banheiro dentro do quarto dele. 

Quando eu fui chegando perto da banheira a gata arrepiou toda e eu joguei ela bem depressa lá dentro e tapei o ralo e enchi de água. 

E esfreguei a gata todinha com um shampoo todo perfumado que tinha lá e eu estava achando que todo mundo ia gostar de ver a gata toda limpinha. A gata estava muito infeliz e ela miava miaaauuu... e tentava sair do banho, mas meu avô tinha razão: ela arranhava a parede da banheira, mas não conseguia sair. 

Mas acho que aí caiu shampoo no olho da gata, porque ela deu um pulo e agarrou na minha roupa e conseguiu pular fora e saiu correndo, espalhando espuma de shampoo por todo lado e nisso a mãe do Mauricinho vinha chegando e levou o maior susto e caiu sentada e a gata continuou correndo e assustando todo mundo e respingando tudo de espuma. 

Eu não sei quem estava mais assustado: se era o Mauricinho, a mãe dele, a gata, ou se era eu. 

Eu corri atrás da gata, mas ela pulou pela janela, atravessou o jardim, saiu pela rua e eu atrás. 

Só que no meio da rua estava a turma daquele menino, aquele da panela na cabeça, e a gata passou pelo meio deles todos e eu atrás! 

E eles levaram o maior susto, cada um correu para um lado, e atrás de mim vinha a mãe do Mauricinho e o Mauricinho e a cozinheira e o jardineiro todos correndo e gritando e eu resolvi correr para a minha casa e me esconder lá. 

Mas no dia seguinte... a escola toda já sabia da história e aquele menino, aquele da panela na cabeça começou a me chamar de maluquinha...

Mas eu não sou maluquinha, não! Só se for a vó dele!


A arte de ser feliz
                                                             [Cecília Meireles]
          Houve um tempo em que a minha janela se abria para um chalé. Na ponta do chalé brilhava um grande ovo de louça azul. Nesse ovo costumava pousar um pombo branco. Oras, nos dias límpidos, quando o céu ficava da mesma cor do ovo de louça, o pombo parecia pousado no ar. Eu era criança, achava essa ilusão maravilhosa, e sentia-me completamente feliz.

          Houve um tempo em que a minha janela dava para um canal. No canal oscilava um barco. Um barco carregado de flores. Para onde iam aquelas flores? Quem as comprava? Em que jarra, em que sala, diante de quem brilhariam, na sua breve existência? E que mãos as tinham criado? E que pessoas iam sorrir de alegria ao recebê-las? Eu não era mais criança, porém minha alma ficava completamente feliz.

         Houve um tempo em que a minha janela se abria para um terreiro, onde uma vasta mangueira alargava sua copa redonda. À sombra da árvore, numa esteira, passava quase todo o dia sentada uma mulher, cercada de crianças. E contava histórias. Eu não a podia ouvir da altura da janela; e mesmo que a ouvisse, não a entenderia, porque isso foi muito longe, num idioma difícil. Mas as crianças tinham tal expressão no rosto, e às vezes faziam com as mãos arabescos tão compreensíveis, que eu que participava do auditório imaginava os assuntos e as peripécias – e me sentia completamente feliz.

          Houve um tempo em que a minha janela se abria sobre uma cidade que parecia feita de giz. Perto da janela havia um jardim quase seco. Era uma época de estiagem, de terra esfarelada, e o jardim parecia morto. Mas todas as manhãs vinha um pobre homem com um balde e, em silêncio, ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas. Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse. E eu olhava as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros, e meu coração ficava completamente feliz.

          Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor. Outras vezes encontro nuvens espessas. Avisto crianças que vão para a escola. Pardais que pulam pelo muro. Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais. Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho do ar. Marimbondos: que sempre me parecem personagens de Lope de Veja. Às vezes, um galo canta. Às vezes, um avião passa. Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino. E eu me sinto completamente feliz.

          Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas,  que  estão diante  de  cada  janela,    uns dizem que essas coisas não existem diante das minhas janelas, e outros, finalmente,   que   é  preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim.
                                                                                                                          

                                  Piquenique das Tartarugas

                   (Texto extraído da Revista Crescimento Pessoal e Motivação)
   Uma família de tartarugas decidiu sair para um piquenique. As tartarugas, sendo naturalmente lentas, levaram 7 anos preparando-se para o passeio.
     Passados 6 meses, após acharem o lugar ideal, ao desembalarem a cesta de piquenique descobriram que estavam sem sal. Então, designaram a tartaruga mais nova para voltar em casa e pegar o sal, por ser a mais rápida.
    A pequena tartaruga lamentou, chorou e esperneou. Concordou em ir, mas com uma condição: que ninguém comeria até que ela retornasse.
       Três anos se passaram... Seis anos... e a pequenina não tinha retornado. Ao sétimo ano de sua ausência, a tartaruga mais velha já não suportando mais a fome, decidiu desembalar um sanduíche.
       Nesta hora, a pequena tartaruga saiu de trás de uma árvore e gritou:
      "Viu! Eu sabia que vocês não iam me esperar. Agora que eu não vou mesmo buscar o sal."

      Na nossa vida as coisas acontecem mais ou menos da mesma forma. Desperdiçamos nosso tempo esperando que as pessoas vivam à altura de nossas expectativas. Ficamos tão preocupados com o que os outros estão fazendo que deixamos de escrever nossa própria história.
    Como disse Mário Quintana: "O pior dos problemas da gente é que ninguém tem nada com isso".
     Viva sua vida e deixe de se preocupar com a opinião e o interesse dos outros por você. "O sucesso parece estar ligado à ação. Pessoas bem-sucedidas mantêm-se ativas. Elas cometem erros, mas não desistem".
                                                

A Velha Contrabandista
                                                                   [Stanislaw Ponte Preta]

Era uma velhinha que sabia andar de lambreta. Todo dia ela passava pela fronteira montada na lambreta, com um bruta saco atrás.
O pessoal da alfândega — tudo ‘‘malandro velho’’ — começou a desconfiar da velhinha. Um dia, quando ela vinha na lambreta, com o saco atrás, um fiscal da alfândega mandou ela parar. A velhinha parou e então o fiscal perguntou:
— Escuta aqui, vovozinha, a senhora passa por aqui todo o dia, com esse saco ai atrás. Que diabo a senhora leva nesse saco?
A velhinha sorriu com os poucos dentes que lhe restavam e respondeu:
— É areia! Aí quem sorriu foi o fiscal. Achou que não era areia nenhuma e mandou a velhinha saltar da lambreta para examinar o saco.
A velhinha saltou, o fiscal esvaziou o saco e dentro só tinha areia.
Muito encabulado, ordenou à velhinha que fosse em frente.
Ela montou na lambreta e foi embora, com o saco de areia atrás. Mas o fiscal ficou mais desconfiado ainda. Talvez a velhinha passasse um dia com areia e no outro com a muamba, dentro daquele maldito saco.
No dia seguinte, quando ela passou na lambreta com o saco atrás, o fiscal mandou parar outra vez. Perguntou o que é que levava no saco e ela respondeu que era areia. O fiscal examinou, e era mesmo.    Durante um mês seguido o fiscal interceptou a velhinha e, todas as vezes o que ela levava no saco era realmente areia.
Um belo dia o fiscal se chateou.
— Olha, vóvózinha, eu sou fiscal da alfândega e tenho 40 anos de serviço. Manjo essa coisa de contrabando pra burro. Ninguém me tira da cabeça que a senhora é contrabandista.
— Mas no saco só tem areia — insistiu a velhinha. E já ia tocar a lambreta quando o fiscal propôs:
— Eu prometo que deixo a senhora passar. Não lhe prendo, não lhe denuncio e não conto nada a ninguém. Mas a senhora vai me dizer: qual é o contrabando que está passando por aqui todos os dias? — O senhor promete que não conta nada a ninguém? — quis saber a velhinha.
— Juro! — respondeu o fiscal.
 — É lambreta
                                                                           
A primeira só 
                                                                    [Marina Colasanti] 
Este é um conto com rei e princesa que, embora pareça distante de nosso mundo de avançada tecnologia, aborda um tema atemporal e interessante para todas as idades. Será que princesa, mesmo tendo levado uma “vida de princesa” era feliz? O que, nesse reino, poderia lhe faltar?

Era linda, era filha, era única. Filha de rei. Mas de que adiantava ser princesa se não tinha com quem brincar?

Sozinha no palácio chorava e chorava. Não queria saber de bonecas, não queria saber de brinquedos. Queria uma amiga para gostar.

De noite o rei ouvia os soluços da filha. De que adianta a coroa se a filha da gente chora à noite? Decidiu acabar com tanta tristeza. Chamou o vidraceiro, chamou o moldureiro. E em segredo mandou fazer o maior espelho do reino. E em silêncio mandou colocar o espelho ao pé da cama da filha que dormia.

Quando a princesa acordou, já não estava sozinha. Uma menina linda e única olhava surpresa para ela, os cabelos ainda desfeitos do sono. Rápido saltaram as duas da cama. Rápido chegaram perto e ficaram se encontrando. Um sorriu e deu bom dia. A outra deu bom dia sorrindo.

- Engraçado – pensou uma -, a outra é canhota.

E riram as duas.

Riram muito depois. Felizes juntas, felizes iguais. A brincadeira de uma era a graça da outra. O salto de uma era o pulo da outra. E quando uma estava cansada, a outra dormia.

O rei, encantado com tanta alegria, mandou fazer brinquedos novos, que entregou à filha numa cesta. Bichos, bonecas, casinhas e uma bola de oura. A bola no fundo da cesta. Porém tão brilhante, que foi o primeiro brinquedo que escolheram.

Rolaram com ela no tapete, lançaram na cama, atiraram para o alto. Mas quando a princesa resolveu joga-la nas mãos da amiga, a bola estilhaçou jogo e amizade.

Uma moldura vazia, cacos de espelho no chão.

A tristeza pesou nos olhos da única filha do rei. Abaixou a cabeça para chorar. A lágrima inchou, já ia cair, quando a princesa viu o rosto que tanto amava. Não um só rosto de amiga, mas tantos rostos de tantas amigas. Não na lágrima que logo caiu, mas nos cacos todos que cobriam o chão.

- Engraçado, são canhotas – pensou.

E riram.

Riram por algum tempo depois. Era diferente brincar com tantas amigas. Agora podia escolher. Um dia escolheu uma, e logo se cansou. No dia seguinte preferiu outra, e esqueceu dela em seguida. Depois outra e mais outra, até achar que todas eram poucas. Então pegou uma, jogou contra a parede e fez duas. Cansou das duas, pisou com o sapato e fez quatro. Não achou mais graça nas quatro, quebrou com o martelo e fez oito. Irritou-se com as oito, partiu com uma pedra e fez doze.

Mas duas eram menores do que uma , quatro menores do que duas, oito menores do que quatro, doze menores do que oito.

Menores, cada vez menores.

Tão menores que não cabiam mais em si, pedaços de amigas com as quais não se podia brincar. Um olho, um sorriso, um lado de nariz. Depois, nem isso, pó brilhante de amigas espalhado pelo chão.

Sozinha outra vez a filha do rei.

Chorava? Nem sei.

Não queria saber das bonecas, não queria saber dos brinquedos.

Saiu do palácio e foi correr no jardim para cansar a tristeza.

Correu, correu, e a tristeza continuava com ela. Correu pelo bosque, correu pelo prado. Parou à beira do lago.

No reflexo da água a amiga esperava por ela.

Mas a princesa não queria mais uma única amiga, queria tantas, queria todas, aquelas que tinha tido e as novas que encontraria. Soprou na água. A amiga encrespou-se mas continuou sendo uma. Atirou-lhe uma pedra. A amiga abriu-se em círculos, mas continuou sendo uma.

Então a linda filha do rei atirou-se na água de braços abertos, estilhaçando o espelho em tantos cacos, tantas amigas que foram afundando com ela, sumindo nas pequenas ondas com que o lago arrumava sua superfície.

O Tesouro no Quintal


Era uma família grande, a nossa: pai, mãe, cinco filhos. Grande e pobre. Papai, pedreiro, mal conseguia nos sustentar. Mamãe ajudava como podia, fazendo faxinas e costurando para fora, mas mesmo assim a vida era difícil. Papai vivia bolando formas de reforçar o orçamento doméstico ou de, pelo menos, diminuir as despesas. Foi assim que lhe ocorreu a idéia da horta. 

Morávamos numa minúscula casa de subúrbio, não longe de uma bela praia, que, contudo, raramente frequentávamos: era lugar de ricos. Casa pobre, a nossa, sem nenhum conforto. Mas, por alguma razão, tinha um quintal bastante grande. Do qual, para dizer a verdade, não cuidávamos. O capim ali crescia viçoso e no meio dele jaziam, abandonados, pneus velhos, latas, pedaços de tijolos e telhas. Papai olhava para aquilo, pesaroso: parecia-lhe um desperdício de espaço e de terra. Um dia chamou os dois filhos mais velhos, meu irmão Pedro e eu próprio, e anunciou: vamos fazer uma horta neste quintal. 

Proposta mais do que adequada. Nós quase não comíamos legumes e verduras, porque eram muito caros. Mas, se plantássemos ali tomate, alface, agrião, cenoura, teríamos uma fonte extra de alimento — sem custo. 

Sem custo, mas não sem trabalho. Para começar, teríamos de capinar aquilo tudo e revirar a terra para depois plantar e colher. Meu pai não hesitou: vocês dois, que são os mais velhos, vão fazer isso. 

Não gostamos muito da determinação. Não éramos preguiçosos, mas preparar a terra para fazer uma horta não era bem o nosso sonho e representaria um grande esforço. Contudo, não tínhamos alternativa. Quando papai dava uma ordem, era para valer. E, no caso, ele tinha o decidido apoio da mamãe, que era de uma família de agricultores e gostava de plantar. 

Quem prepararia a terra? Foi a pergunta que fiz ao Pedro, que, além de mais velho, era o líder entre os irmãos. Pergunta para a qual ele já tinha a resposta: 

— Isso é coisa para o Antônio. 

Antônio era o irmão do meio. Com nove anos, era um menino quieto, sonhador. Mas não era muito do batente, de modo que fiquei em dúvidas: como convencê-lo a fazer o trabalho? 

— Deixa comigo — disse Pedro, que se considerava um cara muito esperto. — Eu sei como convencer o cara. 

E sabia mesmo. Porque Pedro era dono de uma lábia fantástica, argumentava como ninguém. Ah, sim, e sabia contar histórias — inventadas por ele, claro. Era com uma história que pretendia motivar o Antônio a capinar o pátio. 

Eu estava junto, quando ele contou a tal história. Era uma boa história: segundo um famoso professor, séculos antes piratas franceses haviam andado pela nossa região e ali haviam enterrado um tesouro. Expulsos pelos portugueses, nunca mais tinham retornado, de modo que a arca com jóias e moedas de ouro ainda estava no mesmo lugar, que podia ser o pátio de nossa casa. 

— O tesouro será a nossa salvação — concluiu, entusiasmado. 

Antônio estava impressionado. Se havia coisa em que acreditava, era em histórias. Aliás, estava sempre lendo — era o maior freqüentador da biblioteca do colégio. 

— Quem sabe procuramos esse tesouro? — perguntou. 

Era exatamente o que Pedro queria ouvir. 

— Se você está disposto, eu lhe arranjo uma enxada... 

Antônio mostrava-se mais do que disposto. No dia seguinte, um feriado, lá estava ele, enxada em punho, cavando a terra, diante do olhar admirado da família. Papai até perguntou o que tinha acontecido. 

— Ele se ofereceu para fazer o trabalho — disse Pedro, dando de ombros. 
Para encurtar a história: tesouro algum apareceu, mas, um mês depois, tínhamos uma horta no quintal. Antônio acabou descobrindo a trama de Pedro, mas não ficou zangado. Inspirado pelo acontecimento, escreveu uma história, com a qual ganhou um prêmio literário da prefeitura. Uma boa grana, que ele usou para comprar livros. Hoje é um conhecido jornalista e escritor. Acho que ele acabou, mesmo, encontrando o tesouro.

Os gnomos e o sapateiro 
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                
Era uma vez um sapateiro tão pobre, tão pobre, que só lhe restava couro para um único par de sapatos. Certa noite, quando ia começar a fazê-lo, sentiu-se cansado. Apenas recortou uma tira de couro e deixou para terminar o serviço no dia seguinte.

De manhã, quando voltou para a mesa de sua oficina, encontrou o par de sapatos prontinho. Apanhou cada um dos sapatos e examinou-os, tentando descobrir quem os havia confeccionado, mas não conseguiu: era um verdadeiro mistério. Intrigava-o ainda mais o fato de que aquele par de sapatos era o mais perfeito que ele já tinha visto.

O sapateiro ainda estava parado, pensando, com o par de sapatos na mão, quando um freguês entrou em sua oficina. O homem apaixonou-se pelos sapatos e fez questão de comprá-los imediatamente. Peter, o sapateiro, não desejava vendê-los; queria primeiro descobrir como haviam aparecido em sua mesa. Mas o freguês lhe ofereceu tanto dinheiro pelos sapatos que ele terminou concordando em vendê-los.

Peter usou o dinheiro para comprar mais couro. À noite, cortou o material e foi se deitar.

No dia seguinte, aconteceu a mesma coisa: os sapatos apareceram prontos e em seguida veio um freguês que os comprou por um preço altíssimo. E, assim, os dias se passavam e o sapateiro se tornava cada vez mais rico.

Até que Heidi, sua mulher, sugeriu:

— Precisamos descobrir o que está acontecendo! Em vez de ir dormir, vamos nos esconder atrás da porta e espiar.

À meia-noite em ponto surgiram dois graciosos gnomos, completamente nus. Sentaram-se na mesa de Peter e trabalharam com tanta rapidez que ele e sua mulher não conseguiam enxergar os movimentos de suas mãos.

Heidi ficou encantada com os pequenos gnomos:

— Eles nos ajudaram, agora estamos ricos! — disse. — Mas os dois homenzinhos caminham pela noite nus, passando frio! Isso não é justo!

Vou costurar roupinhas lindas e confortáveis para dar de presente a eles.

Naquele dia ela passou a tarde trabalhando, e depois do jantar o sapateiro e sua mulher colocaram as roupas novas ao lado do couro, em cima da mesa da oficina. Mais uma vez, esconderam-se atrás da porta para ver o que fariam os gnomos.

Os homenzinhos dançaram e cantaram, felizes com o presente. A canção dizia mais ou menos isto:

Agora que somos elegantes e lampeiros,

Para que sermos ainda sapateiros?

Desse dia em diante, os dois gnomos nunca mais voltaram, mas mesmo assim Peter, Heidi e os filhos que vieram a nascer viveram com muita sorte, saúde e fortuna.
                                                                                                                                    [Heloísa Prieto]

O ato de estudar
Estudar na escola...Estudar fora da escola. Estudar sempre. Não só para fazer testes, atividades, provas... Estudar para a vida, tornando-a mais rica e cheia de possibilidades.

Tinha chovido muito toda à noite. Havia enormes poças de água nas partes mais baixas do terreno. Em certos lugares, a terra, de tão molhada, tinha virado lama. Às vezes, os pés apenas escorregavam nela. Às vezes, mais do que escorregar, os pés se atolavam na lama até acima dos tornozelos. Era difícil andar.

Pedro e Antônio estavam transportando numa camioneta cestos cheios de cacau para o sítio onde deveriam secar. Em certa altura, perceberam que a camioneta não atravessaria o atoleiro que tinha pela frente. Pararam. Desceram a camioneta. Olharam o atoleiro, que era um problema para eles. Atravessaram os dois metros de lama, defendidos por suas botas de cano longo. Sentiram a espessura do lamaçal. Pensaram. Discutiram como resolver o problema. Depois, com a ajuda de algumas pedras e de galhos secos de árvores deram ao terreno a consistência mínima para que as rodas da camioneta passassem sem se atolar. Pedro e Antônio estudaram. Procuraram compreender o problema que tinham para resolver e, em seguida, encontraram uma resposta precisa.

Não se estuda apenas na escola. Pedro e Antônio estudaram enquanto trabalhavam. Estudar é assumir uma atitude séria e curiosa diante de um problema.
                                   (Paulo Freire. A importância do ato de ler. São Paulo, Cortez, 1997)


O gato vaidoso
Moravam na mesma casa dois gatos iguaizinhos no pêlo mas desiguais na sorte. Um, mimado pela dona, dormia em almofadas. Outro, no borralho. Um passava a leite e comia em colo. O outro por feliz se dava com as espinhas de peixe do lixo.

Certa vez cruzaram-se no telhado e o bichano de luxo arrepiou-se todo, dizendo:

- Não passe perto de mim, vagabundo! Não vês que és pobre e eu sou rico? Que és gato de cozinha e eu sou gato de salão? Respeita-me, pois, e não passa perto de mim...

- Alto lá, senhor orgulhoso! Lembra-te que somos irmãos, criados no mesmo ninho.

- Sou nobre! Sou mais que tu! – falou o gato de luxo.

- Em quê? Não mias como eu? – disse o gato pobre.

- Mio.

- Não tens rabo como eu?

- Tenho.

- Não caças rato como eu?

- Caço.

- Não comes rato como eu?

- Como.

- Logo, não passas de um simples gato igual a mim. Abaixa, pois, a crista desse orgulho idiota e lembra-te que mais nobreza do que eu não tens – o que tens é um bocado mais de sorte...

Moral: Quantos homens não transformam em nobreza o que não passa de um bocado mais de sorte na vida! 

      (Monteiro Lobato. Fábulas. São Paulo: Brasiliense, 1992.)

 O macaco e o crocodilo
(Fábula africana)
O macaco vivia numa mangueira perto da margem do rio. Certo dia, um crocodilo se aproximou.
“Humm”, o crocodilo pensou
— Estou com vontade de comer coração de macaco no jantar. Então, ele disse para o macaco:

— Desça da árvore para brincar comigo!

— Eu não posso brincar com estranhos — respondeu o macaco.

— Mas eu quero lhe mostrar uma mangueira do outro lado do rio. Ela dá mangas muito melhores do que a sua árvore.

— É mesmo? — exclamou o macaco. — Mas eu não sei nadar.

— Não tem problema — sorriu o crocodilo — Pule nas minhas costas que eu o ajudo a atravessar o rio.

O macaco pulou nas costas do crocodilo. Logo estavam no meio do rio.

De repente, o crocodilo começou a mergulhar, com o macaco ainda em suas costas.

— Socorro! Pare! Estou me afogando! — gritou o macaco.

— Segure-se — o crocodilo sorriu. — Eu vou afogá-lo, pois quero comer coração de macaco no jantar, e você foi burro o suficiente para confiar em mim.

—Ah! — lamentou-se o macaco — Eu gostaria que tivesse me contado a verdade. Aí eu teria trazido meu coração comigo.

— Quer dizer que você deixou seu coração na mangueira? — perguntou sem acreditar, o crocodilo.

— Mas é claro — respondeu o macaco. — Nesta selva perigosa os macacos não correm por aí com seus corações. Nós os deixamos em casa. Mas vou lhe dizer o que podemos fazer. Você me leva para a mangueira com frutas maduras, do outro lado do rio, e depois podemos voltar para pegar meu coração.

—Nada disso — desdenhou o crocodilo. — Vamos voltar e pegá-lo agora mesmo! Segure-se aí!

— Tudo bem — concordou o macaco.

Então o crocodilo deu meia volta e rumou para a mangueira do macaco. Assim que eles chegaram à margem, o macaco subiu na árvore e jogou uma manga na cabeça do crocodilo.

— Meu coração está aqui em cima, crocodilo estúpido! — disse ele. — Se quiser comê-lo, vai ter de subir aqui e pegar!

(O macaco e o crocodilo, Fábulas do mundo todo. São Paulo: Editora Melhoramentos, 2004. p 35/36)

HISTÓRIA ENROLADA



                                                        O Cântaro milagroso
Em Lar, na Pérsia, vivia outrora um pescador muito indolente.
Certo dia, enquanto dormia como de costume à sombra de uma árvore junto ao rio, assaltou-o um sonho impressionante.
Sonhou que encontrara no campo ao voltar para casa um grande cântaro de ferro no fundo do qual descobriu, com surpresa, uma moeda de ouro.
Sandeji - assim se chamava o pescador - mergulhou e arrancou do fundo do cântaro o precioso achado. Qual não foi porém o seu espanto quando, ao repetir a operação, encontrou nova moeda igual à primeira. Era milagroso o cântaro!
Debaixo de cada moeda que o pescador tirava, outra logo, nova e rutilante, lhe vinha ao alcance da mão.
Ao acordar resolveu consultar um velho sacerdote que morava a dois passos e era perito em decifrar sonhos e visões.
Que sentido teria aquele sonho original do cântaro milagroso?
Como explicar o estranho caso da moeda que ressurgia sempre oferecendo-se à cobiça dos seus olhos e dos seus dedos?
- É fácil desvendar-se o mistério - respondeu o sacerdote. - Vai ao rio, atira a rede várias vezes e saberás então a significação do sonho!
Enchendo-se o pescador de ânimo, foi ao rio.
Viu vários peixes que nadavam na corrente.
Lançou rápido a rede e apanhou alguns.
Novos peixes surgiram no seio profundo das águas e o pescador teve a felicidade de os recolher.
Assim, trabalhando ativamente, conseguiu fazer naquele dia uma pesca mais abundante do que a de um mês inteiro.
Rico mercador que passava com seus ajudantes, corretores e escravos, ao ver os cestos de Sandeji repletos de peixes, comprou-os todos por boa quantia.
Só então o pescador compreendeu o significado do sonho e o verdadeiro sentido das palavras do velho sacerdote.
O cântaro milagroso era afinal o rio, de cujo seio tirava ele os peixes que se transformavam a seguir nas ambicionadas moedas de ouro.
Reparai bem - meninos da minha terra! - reparai bem!
O trabalho honesto e bem orientado é um cântaro milagroso no fundo do qual brilham sempre mil moedas de ouro para o homem inteligente e ativo que as quiser buscar.
                                                                                                                           ("Céu de Allah")

Maria vai com as outras 
  ( Silvia Orthof)
Era uma vez uma ovelha chamada Maria. 
Onde as outras ovelhas iam, Maria ia também.

As ovelhas iam para baixo, Maria ia também.
As ovelhas iam para cima, Maria ia também.

Um dia, todas as ovelhas foram para o Pólo Sul. 
Maria foi também. E atchim!

Maria ia sempre com as outras. 
Depois todas as ovelhas foram para o deserto. 
Maria foi também.

- Ai que lugar quente! 
As ovelhas tiveram insolação. 
Maria teve insolação também.
Uf! Uf! Puf! Maria ia sempre com as outras.

Um dia, todas as ovelhas resolveram comer salada de jiló.
Maria detestava jiló. 
Mas, como todas as ovelhas comiam jiló, Maria comia também. 
Que horror!
Foi quando de repente, Maria pensou:
“Se eu não gosto de jiló, por que é que eu tenho que comer salada de jiló?”

Maria pensou, suspirou, mas continuou fazendo o que as outras faziam.
Até que as ovelhas resolveram pular do alto do Corcovado pra dentro da lagoa. 
Todas as ovelhas pularam.

Pulava uma ovelha, não caía na lagoa, caía na pedra, quebrava o pé e chorava: mé!
Pulava outra ovelha, não caía na lagoa, caía na pedra e chorava: mé!
E assim quarenta e duas ovelhas pularam, quebraram o pé, chorando mé, mé, mé!

Chegou a vez de Maria pular. 
Ela deu uma requebrada, entrou num restaurante comeu, uma feijoada.
Agora, mé, Maria vai para onde caminha seu pé.
                                                                                                          


                                               A Bolsa, a Bolsinha e a Bolsona.
Ía o menino para a cidade grande pela primeira vez. O pai recomendou:
_ Filho, tome o dinheiro para o trem, mas guarde-o sempre nesta bolsinha. Só tire da bolsinha as notas que precisar e nunca a deixe aberta!
O menino guardou bem aquelas palavras e foi se despedir da mãe. A mãe achou que a bolsinha não era segura. Pegou outra, maior, e ensinou ao garoto:
_ Meu filho, leve a bolsinha de dinheiro sempre dentro desta bolsa. E nunca a deixe aberta!
O menino foi se despedir da avó. A avó, mais precavida, achou melhor lhe dar uma bolsa maior ainda. E explicou:
_ Meu neto, ponha sempre a bolsa com a bolsinha dentro desta bolsona. E nunca a deixe aberta!
O menino ouviu tudo com atenção e foi embora pegar o trem. Chegando ao guichê, abriu a bolsona e tirou dela a bolsa. Fechou a bolsona e abriu a bolsa. Tirou a bolsinha, fechou a bolsa, abriu a bolsona, guardou a bolsa, fechou a bolsona. Então, abriu a bolsinha, tirou uma nota de dez e fechou a bolsinha. Abriu a bolsona, tirou a bolsa, fechou a bolsona, abriu a bolsa, guardou a bolsinha, fechou a bolsa, abriu a bolsona, guardou a bolsinha, fechou a bolsa, abriu a bolsona, guardou a bolsa, fechou a bolsona.Só então deu o dinheiro para o funcionário do guichê. Mas este não quis dar o bilhete.
_ O preço é 12,00 rapazinho.
O menino, então, abriu a bolsona, tirou a bolsa, fechou a bolsona, abriu a bolsa, tirou a bolsinha, fechou a bolsa, abriu a bolsona, guardou a bolsa, fechou a bolsona, abriu a bolsinha, tirou mais uma nota de dez e fechou a bolsinha. Daí abriu a bolsona, tirou a bolsa, fechou a bolsona, abriu a bolsa, guardou a bolsinha, fechou a bolsa, abriu a bolsona, guardou a bolsa e fechou a bolsona. Deu a outra nota para o funcionário, que lhe devolveu o troco.
Para guardar o troco, o menino abriu a bolsona, tirou a bolsa, fechou a bolsona, abriu a bolsa, tirou a bolsinha, fechou a bolsa, abriu a bolsona, guardou a bolsa, fechou a bolsona, abriu a bolsinha, guardou o dinheiro, fechou a bolsinha, abriu a bolsona, tirou a bolsa, fechou a bolsona, abriu a bolsa, porém, antes que ele guardasse a bolsinha na bolsa, fechasse a bolsa, abrisse a bolsona, guardasse a bolsa na bolsona e fechasse a bolsona, o trem passou e ele… perdeu o trem!!!
                                                        (A Bolsa, a Bolsinha e a Bolsona -  Rosane Pamplona)

O ECO

Um filho e um pai caminhavam por uma montanha... De repente, o menino cai, machuca-se e grita: “Ai!!!!!”
Para sua surpresa, escuta sua voz se repetindo em algum lugar da montanha. “Ai!!!!!”.
Curioso o menino pergunta: “Quem é você?”. E recebe uma resposta: “Quem é você?”.
Contrariado grita: “Seu covarde!” E escuta como resposta: “Seu covarde!”
O menino olha para seu pai e pergunta, aflito: “O que é isso?”
O pai sorri e fala: “Meu filho, preste atenção!” Então o pai grita em direção à montanha: “Eu admiro você!”. A voz responde: “Eu admiro você!” De novo grita: “Você é um campeão!” A voz responde: “Você é um campeão!”.
O menino fica espantado, não entende. E o seu pai explica: “As pessoas chamam isso de eco, mas na verdade isso é a vida. A vida lhe dá de volta tudo o que você diz, tudo o que você deseja de bem ou de mal aos outros. A vida lhe devolverá toda blasfêmia, inveja, incompreensão, falta de honestidade que você desejar aos outros, toda falta de carinho e de amor para com as pessoas que o cercam. Nossa vida é simplesmente o reflexo dos nossos atos e de nossas ações”.

A formiga boa
Houve uma jovem cigarra que tinha o costume de chiar ao pé dum formigueiro. Só parava quando cansadinha; e seu divertimento então era observar as formigas na eterna faina de abastecer as tulhas.
Mas o bom tempo afinal passou e vieram as chuvas. Os animais todos, arrepiados, passavam o dia cochilando nas tocas.
A pobre cigarra, sem abrigo em seu galhinho seco e metida em grandes apuros, deliberou socorrer-se de alguém.
Manquitolando, com uma asa a arrastar, lá se dirigiu para o formigueiro. Bateu – tique, tique, tique...
Aparece uma formiga friorenta, embrulhada num xalinho de paina.
– Que quer? – perguntou, examinando a triste mendiga suja de lama e a tossir.
– Venho em busca de agasalho. O mau tempo não cessa e eu...
A formiga olhou-a de alto a baixo. – E que fez durante o bom tempo, que não construiu sua casa?
A pobre cigarra respondeu depois dum acesso de tosse:
- Eu cantava, bem sabe...
– Ah!... – exclamou a formiga recordando-se. – Era você então quem cantava nessa árvore enquanto nós labutávamos para encher as tulhas?
– Isso mesmo, era eu...
– Pois entre, amiguinha! Nunca poderemos esquecer as boas horas que sua cantoria nos proporcionou. Aquele chiado nos distraía e aliviava o trabalho. Dizíamos sempre: que felicidade ter como vizinha tão gentil cantora! Entre, amiga, que aqui terá cama e mesa durante todo o mau tempo.
A cigarra entrou, sarou da tosse e voltou a ser a alegre cantora dos dias de sol.
Os artistas – poetas, pintores, músicos – são as cigarras da humanidade.
                                                                                                                                                                                                                                                  [Monteiro Lobato]

Chapeuzinho vermelho de raiva 

- Senta aqui mais perto, Chapeuzinho. Fica aqui mais pertinho da vovó, fica.
- Mas vovó, que olho vermelho... E grandão... Que que houve?
- Ah, minha netinha, estes olhos estão assim de tanto olhar para você. Aliás, está queimada, heim?

- Guarujá, vovó. Passei o fim de semana lá. A senhora não me leva a mal, não, mas a senhora está com um nariz tão grande, mas tão grande! Tá tão esquisito, vovó.

- Ora, Chapéu, é a poluição. Desde que começou a industrialização do bosque que é um Deus nos acuda. Fico o dia todo respirando este ar horrível. Chegue mais perto, minha netinha, chegue.

- Mas em compensação, antes eu levava mais de duas horas para vir de casa até aui e agora , com a estrada asfaltada, em menos de quinze minutos chego aqui com a minha moto.

- Pois é, minha filha. E o que tem aí nesta cesta enorme?

- Puxa, já ia me esquecendo: a mamãe mandou umas coisas para a senhora. Olha aí: margarina, Helmmans, Danone de frutas e até uns pacotinhos de Knorr, mas é para a senhora comer um só por dia, viu? Lembra da indigestão do carnaval?

- Se lembro, se lembro...

- Vovó, sem querer ser chata.

Ora, diga.

- As orelhas. A orelha da senhora está tão grande. E ainda por cima, peluda. Credo, vovó!

- Ah, mas a culpada é você. São estes discos malucos que você me deu. Onde á se viu fazer música deste tipo? Um horror! Você me desculpe porque foi você que me deu, mas estas guitarras, é guitarra que diz, não é? Pois é; estas guitarras são muito barulhentas. Não há ouvido que agüente, minha filha. Música é a do meu tempo. Aquilo sim, eu e seu finado avô, dançando valsas... Ah, esta juventude está perdida mesmo.
- Por falar em juventude o cabelo da senhora está um barato, hein? Todo
desfiado, pra cima, encaracolado. Que qué isso?
- Também tenho que entrar na moda, não é, minha filha? Ou você queria que
eu fosse domingo ao programa do Chacrinha de coque e com vestido preto com bolinhas brancas?
Chapeuzinho pula para trás:
- E esta boca imensa???!!!
A avó pula da cama e coloca as mãos na cintura, brava:
- Escuta aqui, queridinha: você veio aqui hoje para me criticar é?!
                                                                                                     [Mario Prata]


Chapeuzinho Amarelo
Era a Chapeuzinho amarelo
Amarelada de medo.
Tinha medo de tudo, aquela Chapeuzinho.
Já não ria.
Em festa não aparecia.
Não subia escada
nem descia.
Não estava resfriada,
mas tossia.
Ouvia conto de fada e estremecia.
Não brincava mais de nada,
nem amarelinha.
Tinha medo de trovão.
Minhoca, pra ela, era cobra.
E nunca apanhava sol,
porque tinha medo de sombra.
Não ia pra fora pra não se sujar.
Não tomava banho pra não descolar.
Não falava nada pra não engasgar.
Não ficava em pé com medo de cair.
Então vivia parada,
Deitada, mas sem dormir,
Com medo de pesadelo.

[Chico Buarque de Hollanda]

                                     A importância das ferramentas

Há muito tempo atrás, em uma carpintaria, quando todo o trabalho havia acabado, as ferramentas começaram a conversar entre si.
Elas discutiam para saber qual delas era a mais importante para o carpinteiro.
O Sr Martelo começou:
- Certamente que sou Eu o mais importante para o carpinteiro! Sem mim os móveis não ficaram de pé!, pois eu tenho que martelar os pregos!
O Sr Serrote logo quis dar a sua opinião:
- Você Sr martelo? Você não pode ser! Seu barulho é horrível! É ensurdecedor ficar ouvindo toc, toc, toc... O mais importante sou Eu! O serrote! Sem mim, como o carpinteiro serra a madeira? Eu sou o melhor!
- Não, não, não! - Falou a dona Lixa - Eu sim sou a melhor! Se não fosse Eu os móveis não seriam tão lisinhos e perfeitos! Eu sou a mais importante!
- Ah! mais não é mesmo! - disse a dona Plaina - Eu é quem deixo tudo retinho, e tiro as imperfeições da madeira. Eu sim sou a indispensável...
- Tsc, tsc, tsc... Nada disso - disse a dona Chave de Fenda - Se não fosse Eu, como o carpinteiro iria apertar os parafusos? EU sim sou a melhor!
- Ah! não ! Que absurdo! - disse o Sr Esquadro - Eu sou o mais importante! Sem mim os móveis ficariam tortos! O carpinteiro nem saberia a medida. EU sou o mais importante!
As ferramentas ficaram discutindo até o dia amanhecer...O carpinteiro chegou para trabalhar, colocou sobre a mesa a planta de um móvel e começou a trabalhar! Ele usou todas as ferramentas.
Usou o serrote, o martelo, o esquadro, a lixa, a plaina, os pregos, o martelo, a chave de fenda, a cola e o verniz para deixar o móvel brilhando... Enfim ele acabou. Chegou o fim do dia o carpinteiro estava cansado, mas feliz com o que tinha feito! Seu trabalho com as ferramentas tinha ficado ótimo!O carpinteiro foi para casa. Enfim, as ferramentas voltaram a conversar. Só que agora elas ficaram admirando o que tinham feito todas juntas e o carpinteiro. Sabe o que elas fizeram? Um púlpito de uma igreja! E tinha ficado lindo! Elas chegaram a uma conclusão: Todas eram importantes!! Aos olhos do carpinteiro. Ele usou todas! Sem exceção de nenhuma! E o móvel tinha ficado lindo! Elas descobriram que quando todas trabalham juntas tudo anda melhor!!


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